terça-feira, 22 de março de 2011

Hoje acordei com vontade de falar sobre o meu pai e a doença que ele tem, Alzheimer, é mais um desabafo ou saudades dele, não sei...

Em 2004, aproximadamente, o meu pai reformou-se, mas tinha uma paixão pela agricultura e pela criação de frangos, galinhas e coelhos. Tinha sempre o tempo ocupado, embora gostasse de dormir a sesta devido ao trabalho que ele teve como guarda-nocturno. Passado uns meses, ele começou a matar a criação e deixou de comprar mais. Deixou a horta e ficou cada vez mais tempo deitado, levantava-se da cama para o sofá, recusando até que a minha mãe lhe fizesse o comer alegando que ela o queria envenenar. Não estranhámos essa maldade da parte dele, porque sempre foi uma pessoa com um carácter difícil.


Nunca tolerei bem quando o meu pai falava mal da minha mãe e nesse mesmo ano o meu pai começou a ter essa atitude e, além disso, ficou agressivo com a minha mãe. Os maus tratos eram mais psicológicos do que físicos. Em Agosto desse ano, eu estava de férias, a minha tia que mora ao lado, ouviu a minha mãe a gritar, “ deixa-me entrar” e foi a correr chamar a minha irmã. Quando ela chegou, o meu pai tinha-se fechado na sala e não deixava a minha mãe entrar, decidiu dividir a casa, um lado era dele e o outro era da minha mãe. Nesse dia ele ia batendo nela, a minha irmã meteu-se à frente para que isso não acontecesse, houve uma discussão terrível e a minha irmã deixou de falar ao pai a partir daí. No dia a seguir, a minha mãe queixou-se de tonturas, depois de ter ido à farmácia, disseram à minha irmã que ela tinha que ir para o hospital, porque a tensão estava a 20 e que na idade dela era muito perigoso. Fomos ao médico e ele disse que ela tinha que ter uma vida mais estável e sem nervos. Para ela melhorar decidimos levá-la para a minha casa durante a semana e ao fim de semana ficava com a minha irmã.

Queríamos dar uma lição ao meu pai, pois ele dizia que não precisava de ninguém, mas como é óbvio não conseguimos passar indiferentes, foram dias sofridos para a minha mãe que tinha saído da sua própria casa. Por ele, e mais por ela, nunca deixei de ver o meu pai, ia lá a casa com a minha mãe para fazer a limpeza e como já era hábito saíamos de lá doentes pelas palavras que ele dizia. Tentei falar com o médico de família, mas ele dizia que não era defeito, mas sim feitio. Levei-o por três vezes ao Neurologista, que não resolveu nada, e duas vezes à psiquiatra e nada. Marquei uma reunião pelo posto médico para a Assistente Social e dissemos que não aguentávamos mais, estávamos no limite, no fundo do poço, que já tínhamos feito de tudo para ver o que o meu pai tinha, a forma de ele agir não era normal. Pelo menos eu tinha essa ideia, que, apesar da maldade que ele tinha, ele não estava na sua faculdade mental. Ela disse para irmos novamente à psiquiatria e insistir com a médica para fazer uns testes. Assim foi, fomos à médica e só saí do consultório com os papéis para fazer exames ao meu pai.

Fomos fazer o teste e realmente o meu pai estava com um problema, foi-lhe diagnosticado Demência, ou princípio de Alzheimer. Infelizmente para ele e “felizmente” para nós e para mim, que voltei a ter forças para o ajudar, se fosse só maldade não tinha mais forças, porque todas nós durante toda a nossa vida sofremos com o mau feitio do meu pai. Voltei a reunir a família, que entretanto já tinha desistido dele, mas não foi fácil para a minha mãe.

Ao fim de uns meses, a minha mãe quis falar comigo e com a minha irmã, tinha decidido voltar para casa. Neste tempo todo nunca deixámos de limpar e tratar do meu pai, apesar das palavras dele. Tanto eu como a minha irmã ficámos com receio dela voltar para casa por ele estar agressivo, mas não podíamos dizer que não. Mais do que ninguém, quem sofreu mais com esta situação toda foi a minha mãe, o facto de estar fora da sua casa e dos seus pertences aos 70 anos era penoso. Concordámos com ela, só os olhos dela mostravam o que ia no seu coração. Limpámos a casa, pintei a marquise, o meu sobrinho pintou o quarto e a sala e no final das limpezas ela voltou para o seu lar. No entanto não foi fácil, embora ele estivesse com o efeito dos comprimidos, não deixava de beber, continuava a ser agressivo. A única maneira era retirar todas as bebidas de casa, com o conselho da médica (nunca fiz nada sem o consentimento da psiquiatra), tirei-lhe as bebidas brancas e gradualmente o vinho.

Não sei onde fui buscar tanta força para fazer o que fiz quando tirei o whisky e a ginja que ele tanto gostava. Abri a garrafeira, na presença dele, tirei as bebidas e deitei tudo fora e ele bateu-me. Não sei o que me doeu mais, se foi a mão dele ou o que eu estava a fazer ao meu pai ao faltar-lhe ao respeito e gritar com ele. Sei que ao fazer isso era só para o proteger, mas nunca pensei em faltar ao respeito ao meu pai, a minha educação foi de respeitar, sempre me ensinaram isso. Não estava de todo a fazê-lo naquele momento.

Ninguém está preparado para este tipo de doença, aliás de nenhuma, mas esta, principalmente no início, quem sofre mais é a pessoa que está ao lado do doente. Para o meu pai, nós é que estávamos enganados, beber era normal, tratar mal era normal, dizer asneiras era normal, nós é que estávamos erradas.

“Os sintomas da demência implicam geralmente uma deterioração gradual, lenta e irrecuperável, da capacidade de funcionamento da pessoa. O dano cerebral afecta o funcionamento mental da pessoa (a memória, a atenção, a concentração, a linguagem, etc.), e isto, por sua vez, tem repercussões no comportamento. Mas a demência não se limita só aos tipos degenerativos de demência. Refere-se igualmente a uma síndrome que nem sempre tem o mesmo tipo de evolução. Nalguns casos a condição da pessoa pode melhorar, ou permanecer estável durante algum tempo. Uma pequena percentagem de casas tem tratamento ou pode mesmo retroceder, mas na grande maioria doa casos isso não acontece. A maioria das pessoas morre de (complicações) tais, como de pneumonia, mais do que de demência em si. Contudo, se o início se dá muito tarde na vida, as consequências tendem a ser menos graves.”

Olívia R. Leitão, Manuela Morais e Paula Guimarães

2ª Edição em português 2006-A.P.F.A.D.A.Lisboa

Página 17

Título original:”Care Manual” Novartis



Depois de muitas pesquisas através da internet, livros e perguntas aos médicos que viram o meu pai, o que ia acontecer com ele, embora já soubesse o resultado da doença e o que pode acontecer entretanto, até ele perder completamente as faculdades que hoje ainda tem, não me sinto preparada para perder o meu pai aos poucos.

O livro “Manual do cuidador” foi-me dado pela Psiquiatra do hospital de Setúbal, é o livro mais completo e explícito que já li sobre esta doença e também o mais difícil de aceitar em como vou perder o meu pai.

O meu pai tem 76 anos, mas esta doença pode atingir pessoas mais novas, não é hereditário, pelo menos não há provas de que seja, ainda não há cura nem nada para prevenir. Há uma recusa total da parte do doente em ser ajudado, tive que o obrigar a tomar banho, lavar as mãos antes das refeições e depois de ir à casa de banho, simplesmente ele só obedece com chantagens ou quando está com uma carência de me ver, assim sim ele faz tudo o que eu digo, o que está acontecer cada vez menos neste momento.

Cada vez era mais difícil dar banho ao meu pai, ele recusava constantemente. De tanto a minha mãe se enervar ao vê-lo agredir-me, decidimos pedir auxílio ao Centro Comunitário da Quinta do Conde. Marquei uma reunião e expliquei o que estava a acontecer, ao fim de quinze dias obtivemos a resposta que no meio do mês de Julho iam dar banho todos os dias ao meu pai.

Vejo que foi a melhor solução, no início quando falei com a minha mãe ela ficou renitente ao pedir o auxílio, não queria pedir ajuda a ninguém e ficava muito dispendioso. Hoje ela reconhece que foi a melhor solução.

Embora ele esteja mais calmo, dorme todo o dia e por vezes troca os horários, acorda de noite a pensar que é de dia. É mais uma etapa que estamos a aprender a aceitar. Torna-se difícil perceber se é da doença ou da maldade, pelo menos para a minha mãe, que é a pessoa com quem ele tem mais conflitos.

Em Dezembro de 2010 tivemos que colocar o meu pai num lar, a minha mãe já não aguentava mais e estavamos a vê-la cada vez mais magra e doente. Foi no entanto um dos dias mais difíceis das nossas vidas, era a última coisa que queriamos fazer "meter" o meu pai num lar, o meu pai ou qualquer outro ente querido.
Ele está bem, gosta de estar lá, pensa que está mesmo na casa dele, mas mesmo assim há dias que não me conformo de ele estar num lar. Fizemos tudo o que podiamos e por vezes o que não podiamos para dar uma vida melhor ao meu pai e acho que conseguimos fazê-lo pelo menos é o que eu sinto quando o vou ver, e lá está ele com um ar  feliz.
Temos que levar a vida assim, uma dia de cada vez, sinto-me, neste momento bem por ver os meus pais bem, ele no mundo dele, que temos que respeitar e ela que está melhor da hipertensão e  anda mais calma.

Hoje acordei assim, com vontade de falar, de escrever sobre os meus pais que foram, são e serão sempre as pessoas mais importantes da minha vida. Adoro-os

8 comentários:

Turista disse...

Querida Nita, emocionante esta sua história de vida. O carinho que demonstra pelos eus pais e sobretudo pelo seu pai, é admirável.
Creio que tomou a opção mais correcta para esta altura da vida dele e da sua mãe, que pode viver os ultimos anos da sua vida, com qualidade e carinho.
Obrigada por partilhar connosco e por ser quem é.

Imagina... disse...

Um beijinho grande e um abraço bem apertado. Só isto, porque era o que faria se tivesses aqui comigo agora.

Sabes o que eu tenho a dizer, fizeste o melhor para ele. Perdoa-me se pareço fria, mas também preciso de cuidar da minha mãe, tal como tu tão bem cuidaste do teu pai. Ly muito!

Nita disse...

Obrigada Manuela, hoje acordei assim, com vontade de contar ao mundo o que eu fiz ao meu pai, aliás aos meus pais. Obrigada mais uma vez.
Beijinhos

Nita disse...

Imagina que...Obrigada filhota pelo teu abraço e beijinhos, foste testemunha de tudo o que se fez pelos teus avós e sabes o quanto me custou naquele dia, lembras-te?
Beijinhos grandes!
Me to

anaeartes disse...

Oi Anita...
Tua história me tocou querida!!! Sei o que é viver as voltas com entes doentes... E imagino como deve ter sido difícil suportar o ápice da "maldade", seja esta qual for, ou dele ou da doença!
Na vida, às vezes, temos que tomar decisões difíceis, e essa sua e de sua familia, deve ter sido muito difícil! Mas se todos estão bem, inclusive ele, pense que realmente Deus está no controle. Não permita que sua consciência te culpe ou te deixe sentir-se mal com tal situação, vcs tomaram a melhor atitude, foi o melhor pra ele e pra vcs! Mas o que mais me tocou em toda sua fala, foi o fato de vc não estar confortável com a decisão tomada, e de onde ele está...Amiga, entregue seus caminhos ao Senhor, confia Nele, e o mais Ele fará! (Sl 37.5)Ninguém pode viver feliz com a culpa, deixe ela de lado, seja livre, vença isso, e Deus te abençoe!!!
Graças a Deus ele está vivo! Pronto a te receber a qualquer momento q vc puder visitá-lo, e irá te receber como vc já está acostumada, e isso não é culpa sua.
Eu não gostaria de estar em seu lugar, mas de certa forma, invejo o fato do seu pai estar vivo e o meu não!!!Entende o paradoxo????
Nunca estamos satisfeitos com nossos desastres, mas temos que entender, Deus faz a ferida e a sarará (se puder leia Oséias 6:1-3). A minha ferida demorou de cicatrizar, e hj ainda está dolorida, apesar de não mais aberta... Mas vamos prosseguir!!!!
Mudando de assunto, muito obrigada pela suas palavras sobre meu livrinho de tecido, uma bjka
ana

Nita disse...

Querida Anaeartes, obrigada pelas suas palavras,fiquei muito emocionada, lamento a perda do seu pai. Eu e o meu pai tivemos sempre uma grande ligação, digamos que eu sou a menina dele e quando o vou ver ele quer sempre vir comigo, só faz isso comigo, a minha irmã vai lá com a minha mãe, mas é comigo que ele pede sempre para vir. Por causa disso eu não vou visitá-lo tantas vezes vê-lo como desejaria, porque só me apetece trazê-lo, é o meu pai...um pai que foi muito ausente no passado, mas é meu e isso custa-me quando o vou ver ele perguta-me se o fui buscar...enfim, isto vai passar é preciso é ter calmna...
Obrigada querida pelo apoio

Beijos

Ana

Tany disse...

Imagino o que passaste e ainda estás a passar... O meu pai casou pela 2ª vez há bastantes anos e a mãe da mulher dele sofre do mesmo problema. Neste momento ele e a mulher tratam dela, porque ela recusa-se a ir para um lar, e o meu pai tem atravessado momentos muito difíceis e incompatíveis com a natureza dele. É uma realidade muito dura e por vezes violenta,... Espero que tu e a tua mãe tenham forças. Fizeram e continuam a fazer o melhor que podem.
Beijinho

Nita disse...

Olá Tany!

Obrigada pelas tuas palavras, tenho dias que tenho mais força outros nem por isso, ontem fui vê-lo e hoje perguntou à minha mãe por mim, disse-lhe que não me via há muito tempo...é triste de ver a pessoa que amamos ficar sem memória, mas é a vida, não posso fazer mais nada.
Espero que o teu pai e a esposa tenham forças para tratar, sei que por vezes é difícil...
Obrigada querida mais uma vez

Beijos

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